Serra da Natividade, Riacho do Jaquinicó, Brejo, Serra da Canabrava.
Mato rico, terra boa de plantação. O povo foi situando, situando. Uma fazenda,
depois outra e mais outra. A gente se multiplicando. Com o tempo, muitas
fazendas.
Vida de trabalho, de enfrentamento de dificuldades. A secona queimando
tudo. Os bichos berrando na porteira da fonte. Queimar mandacaru, cortar rama
de juazeiro, de quixabeira. Salvar os bichinhos, não deixar a semente se acabar.
Comida pouca em casa. Na faltança das coisas, comer comida do mato: gró,
macambira, xiquixique. As caças se escondendo, se escondendo, para não virar
comida grã-fina. O povo se salvando como podia. Avançava para cima do
mato, tirando casca de angico; arrancando a vida e a pena das emas; fazendo
sal, tirando salitre da barriga das serras. As mulheres indo longe, lavar roupa
nos caldeirões. A chuva chegava. Mato alegre, chão molhado, riacho
roncando, criação berrando forte, cabritos escabriolando, bodes bodejando.
Plantação de roça: algodão, mamona, milho, feijão, abóbora, melancia.
Queijo, leite, imbuzada, carne assada, requeijão. Fartura da muita. Novenas
alegres e o povo procurando dança. Os campos nos bichos, os chiqueiros
crescendo no namoro deles. Ovelhas, bodes aos montes.
Os meninos. Fizeram escola para eles. Foi na fazenda São Bento, perto
do riacho, na beira da estrada. Os meninos de jegue, a pé no caminho do
estudo. Pequenininhos, grandinhos, fazendo zoada, carregando vida nas
brincadeiras, alegrando o mato. A professora Baiana ensinando. Aprender a
ler, a escrever, a fazer zelo do lápis, do caderno. A régua, a palmatória de
prontidão para endireitamento dos traquinos, dos desmazelados. Um
sofrimento danado. Os pais autorizando a professora: “Aplique a disciplina!”.
Os meninos ouvindo, vendo, com medo. Havia festa de comemoração da
pátria. 7 de Setembro. Os meninos fardados carregando bandeirinhas do Brasil.
A professora vigiando, botando tudo nos conformes do desejado. Os pais, o
povo de perto assistindo. A escola mais bonita assim. A hora do desfile. A
professora nervosa, os meninos se arrumando na fila e o desfile começava. O
trajeto: uma volta em torno do prédio, que não havia rua. Depois a cantiga do
hino. Era bonito. Os meninos gostavam. Os pais se orgulhavam. A professora
ficava feliz.
Feira em Curaçá. O povo indo toda semana, carregado pelos animais.
Juntando-se pelas estradas, conversando, se botando a par das coisas da vida.
Viajona danada. Comprar rapadura, sal, farinha, feijão, gás; vender pele de
bode, pena de ema, requeijão, coisas do mato. Assim foi, por muito, desde o
tempo dos antigos.
Um comerciante viu. Achou que dava futuro, marcou o dia e o local.
Fazenda São Bento, do lado do prédio escolar, dia de domingo. Lugar bom
para o caminho do povo. Ano de 1972. O povo chegando, gostando. Feira
perto, sem precisão de caminhada longa. A notícia se espalhando e cada vez
mais gente nas feiras do seguir das semanas. O ajuntamento crescendo, a coisa
dando certo. O dono da fazenda ficou incomodado com o ajuntamento dentro
de suas terras. Botou dificuldade, querendo fazer questão. Também tinha a
atrapalhada do riacho que, quando enchia, não deixava o povo atravessar.
Perto, bem perto outra fazenda, esta de nome Bela Vista. Os donos fizeram
consentimento para o negócio. A feira mudou de lugar, mas levou o nome do
lugar velho. Foi botada na malhada da casa de Né Pereira, quase na porta,
debaixo de dois tamarineiros. Mas o movimento foi aumentando, aumentando.
Mais feirantes, mais comerciantes. Estava incomodando os moradores. Eles
resolveram fazer doação de uma área de terra, em lugar perto, para o
movimento do povo.
O povo se animou, levantou latadas, levantou barracão. Um
barracãozinho, coberto de palha. Área livre, os feirantes foram fazendo
casinhas para se agasalhar, apoiar os meninos na escola. Tomou jeito de vila
e logo virou povoado. Povoado de São Bento, na fazenda Bela Vista. A feira
virou ponto de encontro dos que tinham negócio e dos que queriam diversão.
Animação danada. Pegou fama e mais gente vindo morar, visitar. Teve até
ônibus fazendo linha. O prefeito se entusiasmou, fez prédio para o
mercado.
Casa de Né Pereira, sede da fazenda Bela Vista. Né Pereira devoto de
São Sebastião. Desde muito comemorando o santo, fazendo novenas,
reunindo a matutada pras rezas. Aí foi. São Sebastião virou padroeiro de São
Bento. Festa em 20 de janeiro. Procissão, missa e tudo mais. Não havia igreja.
Um sonho do povo e o povo esperando, esperando. Época de eleição, um
candidato fez promessa, financiou a construção. São Sebastião agasalhado.
Igreja e mercado. Depois foi o prédio escolar, energia e poço artesiano.
“Crises”. Uma virada do mundo. “As crises mudando a natureza do
povo”. Secas danadas, com o criatório morrendo. A gente foi abandonando
seus lugares, as casinhas sem cuidado, caindo, as cercas se espedaçando, indo
ao chão. O povo para rua de Curaçá. A feirinha minguando. O povoado
perdendo gente. Trabalho nos projetos, escolas mais adiantadas, longe.
Aposentados recebendo dinheiro na rua e na rua fazendo as compras. De pouco
em pouco se vão para lá. A facilidade de transporte desvia os feirantes.
Comerciozinho fraco, cachaça, surtimento pequeno de mercadorias. Crises.
São Bento esvaziando, se amiudando. Caminho para gruta e para Patamuté,
os moradores ficam vendo os carros passarem, olhando a poeira. As pessoas
sentadas nas portas, os meninos brincando na rua. O tempo, a vida assim ...
Um sonho. Barragem, que o riacho é grande. No atrasado dos tempos
houve uma promessa. O DNOCS fez estudo, corrigiu a terra e plantou a idéia
de represamento de muita água. Os homens do governo foram embora. O
desejo ficou. Os mais velhos sem ilusão, os mais jovens sonhando. Uma
fezinha de novo. Agora parece que vai. Uma barragem nascendo. Não é tão
grande como a que ficou na promessa, mas vai fazer arremediação para
adjutório de vida e São Bento se anima. Os meninos também chegando para os
negócios de estudo, vindo de todos os lados nas caminhonetes. Uma gritaria
zoadenta, o povoado ganhando vida.